sexta-feira, 17 de outubro de 2008

Postes Humanos, por Liliana

Artigo escrito por Liliana Victorino Alves Corrêa, também conhecida como minha irmã (risos). Publicado no jornal Folha do Estado.

Nenhuma outra ocasião neste país expõe melhor as mazelas sociais do que a época das campanhas eleitorais. A miséria salta aos olhos nesse período, e não me refiro só à miséria financeira. Falo particularmente de miséria humana, miséria moral.

Os miseráveis tornam-se visíveis em ambos os lados do processo eletivo: eleitores miseráveis e candidatos miseráveis. Neste circo de horrores que se forma, com candidatos fazendo as tradicionais promessas mirabolantes e mentirosas, atirando acusações levianas contra os adversários, comprando votos com a exploração das necessidades mais básicas dos cidadãos, nada me causa mais indignação, e até comoção, do que a triste visão de pessoas na rua segurando e acenando aquelas enormes bandeiras ou faixas dos candidatos.

Sob o sol escaldante de Cuiabá, expostas ao calor, aos perigos do trânsito, à sede, a comentários e insultos de todo o tipo dos motoristas, a assédio sexual (muitas vezes são moças), esses postes humanos esforçam-se para segurar e balançar uma faixa ou bandeira que ostenta a cara sorridente de um candidato. Esforçam-se para desempenhar bem o papel que lhes ofereceram em troca de alguma forma de pagamento, que deve ser irrisório para tamanho esforço físico e moral: o papel de uma haste, de um mastro, de um pau, de um poste.

Nos rostos deprimentes dessas pessoas, consigo ver a miséria, a vergonha, a resignação, o cansaço e, às vezes, a fome e a sede. Só não consigo ver em seus rostos o que, de fato, deveria ser o propósito dessa prática política tão humilhante: a animação e o entusiasmo para com o candidato estampado na propaganda ambulante.

Aos meus olhos a visão desses postes vivos, abanando tristemente uma bandeira, surte efeito contrário ao que pretendem os candidatos. Procuro identificar bem o político estampado nas propagandas para lembrar-me de não lhe dar meu voto.

É inacreditável que os marqueteiros das campanhas eleitorais não consigam inventar nada mais criativo e com melhores resultados. Por que não aproveitar as pessoas para atividades mais condizentes com a condição humana? Garanto que qualquer ser humano consegue fazer alguma coisa melhor do que se fazer de poste ou tronco de árvore.
Num país onde a miséria impera e práticas políticas ultrapassadas como essas são tão arraigadas, talvez minha indignação nem encontre eco. Talvez eu seja sensível demais à miséria alheia, e talvez eu até vote, afinal, naquele candidato que contrata postes humanos, porque todos o fazem, mas que, ao menos, essa escolha recaia naquele que apresente as promessas menos mirabolantes e mentirosas.

Um comentário:

Anônimo disse...

Essa minha irmã é do caramba... primeiro artigo e já arrazou.