terça-feira, 14 de outubro de 2008

Pesadelo esclarecedor

Artigo publicado em 03/02/05 no jornal A Gazeta

Ontem tive um terrível, porém esclarecedor, pesadelo. Eu me vi na pele de um pedinte. Foi angustiante ver a sociedade não compreender seus problemas e necessidades. Eu, na pele de um sem cultura, sem educação, sem instrução alguma, tentando me fazer compreendido pela sociedade, tentando me manter vivo, livre dos riscos do dia a dia e dos preconceitos.

Na verdade, além do meu pesadelo, eu tenho um relativo contato com pedintes. Possuo um comércio em frente a um “ponto” de pedintes bastante rentável, que, em geral, congrega crianças que aniquilam a possibilidade de um futuro melhor garantindo uns trocados em uma “profissão” não promissora.

Sempre fui contra o ato de dar esmola. Penso que ao fazer isso a pessoa que dá esmola, na verdade, acaba por fixar um indivíduo em numa atividade razoavelmente rentável, em termos de garantia de um sustento mínimo, mas sem futuro algum para o indivíduo e com produção zero para a sociedade e economia.

Mas agora, após o pesadelo, passo a ter duas visões do mesmo problema: como pedinte, mendigo, sem teto, flanelinha, ou qualquer outra denominação que se dê à atividade do pedinte, e também como cidadão e empresário, preocupado com o desandar de nossa sociedade.

Como pedinte, em meu pesadelo, pude constatar o medo, a incerteza, a solidão e a falta de opções de um ser humano. Pude constatar, também, que eu não tinha capacidade para conseguir expressar os meus anseios e minhas reais necessidades. Perecia que não falava a mesma língua da maioria da população. Infelizmente, ou felizmente, o sonho pareceu bastante real. Senti na pele algumas necessidades e insegurança, e no sonho eu ficava muito grato ao receber esmolas.

Como cidadão, sou contra dar esmolas. Isso vai de encontro ao bom andamento da economia, ao desenvolvimento da sociedade e à prosperidade de um país. Um pedinte não produz nada e, por vezes, tem um rendimento maior que muitos trabalhadores. Quem dá esmola fixa um ser humano numa atividade miserável, sem futuro e que não gera produção alguma.

Voltando à pele de um pedinte, é terrível não ter um lar para dormir, não saber se conseguirá alimento no dia seguinte, não ter perspectiva alguma para um futuro, ser rejeitado pela maioria da sociedade e não ter amparo algum. Saber que a vida não significa lá muita coisa, e que, por isso, vale a pena se arriscar para tentar sobreviver sem perder grande coisa.

Mas felizmente tudo isso não passou de um pesadelo. Provavelmente eu, com meus quase 36 anos, já estaria fazendo parte das estatísticas de um indigente morto violentamente, que não teve amparo algum por parte da sociedade, família ou governo. Após acordar e me desvencilhar do sonho mau, pude voltar a minha realidade e continuar a ser um empresário tentando se livrar do medo, tentando buscar um futuro melhor e seguro, tentando acreditar que políticas sociais que partam dos dirigentes do país e contem com o apoio da sociedade possam transformar essa realidade que se infiltra nos nossos pesadelos cotidianos.

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