terça-feira, 14 de outubro de 2008

Benefício aos devedores

Artigo publicado no jornal “Folha do Estado” de 29/01/06

Desde cedo meus pais me orientaram a ter controle financeiro, a gastar menos do que recebo e fazer uma reserva de dinheiro. Fui educado a não dever ou fazer prestações. Eles diziam que dever e não pagar é algo errado, feio e humilhante. Sempre segui a risca esses ensinamentos, e nunca tive dificuldades, já que em situações de aperto sempre tinha um dinheirinho para emergências. Em minha vida me privei de inúmeras vontades e sempre cortei meus impulsos consumistas para ter esse controle.

Após quase 37 anos de vida, começo a questionar o que me foi ensinado. Exemplos durante a minha existência me fizeram refletir se meus pais realmente eram os donos da verdade. Recordo-me das administrações anteriores da prefeitura de Cuiabá. Todo ano havia enormes benefícios e isenções de multas para os devedores do IPTU. Recordo também que na época de faculdade (particular) alguns colegas simplesmente não pagavam durante o ano inteiro e no final, eram chamados a negociar. Geralmente as multas eram retiradas, havia parcelamento e ainda ganhavam bons descontos. Os exemplos não pararam por aí. Negociações de aluguéis atrasados, dívidas com bancos e administradoras de cartões de crédito e alguns outros exemplos também me fizeram refletir sobre a orientação dos meus pais.

Recentemente tive meu nome negativado, pela primeira vez na vida. Uma operadora de telefonia de longa distância não enviou as contas para eu efetuar o pagamento e resolveu “sujar” meu nome. O valor das ligações não é alto, mas nunca recebi nenhuma conta ou reaviso. Só me notificaram quando já haviam enviado meu nome às instituições de proteção ao crédito. Meu primeiro impulso foi de correr para limpar meu nome, exatamente como meus pais fariam. Mas não o fiz. A revolta contra a operadora foi tamanha que agora só irei pagar o valor quando retirarem meu nome do Serasa, sem cobrança de multa, com descontos e pedidos formais de desculpas. Para que eu vou correr atrás se meu CPF já foi sujo mesmo? E sabe de uma coisa? Nada em minha vida mudou. Continuo respirando, comendo e vivendo exatamente como antes. E ainda fico contente em saber que em cinco anos meu nome estará limpinho novamente!

Creio que os inúmeros processos contra devedores tenham essa causa. Não há punição para eles, e em alguns casos há benefícios e descontos. Já ouvi meu pai dizer que no Brasil o bom pagador é prejudicado, e os maus pagadores em alguns casos são beneficiados. Mas mesmo dizendo isso, meus pais sempre me orientaram a andar na linha.

Talvez em 5 anos eu volte a utilizar os serviços da operadora que me protestou. Se a minha raiva e indignação ainda forem grandes, e as leis ainda beneficiarem os maus pagadores, talvez eu faça mais débitos para ver se a empresa aprenda a respeitar um consumidor sério.

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